quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O Coro dos Descontentes – Os Festivais da MPB

O Império Brasileiro teve o rio Riachuelo, o Estado Novo teve Monte Castelo. Na segunda metade do século XX, é nos muitos Festivais da Canção que as diversas correntes da Música Popular Brasileira iriam se enfrentar. Os Festivais da MPB realizados na década de sessenta principalmente pelas redes de televisão Excelsior, Record (o mais concorrido, pelo fato da emissora ter um casting maior de artistas) e Globo são um exemplo de como a participação social migra para a música popular. O público massivo dos festivais era de uma feroz juventude universitária de esquerda, ávida por ver seus representantes defendendo músicas que contestavam e protestavam contra o momento político brasileiro. Esses estudantes formavam uma conservadora platéia disposta a vaiar agressivamente qualquer coisa que não fosse engajada e política.

O cantor e compositor Sérgio Ricardo faz uma interessante analogia com a qual se pode ter uma idéia do que significavam aquelas competições para artistas, público e produtores: "Parecia que algo nos transformava em animais, colocados ali, em concentração, cada qual na sua raia, à espera do sinal de largada para uma disputa pelo primeiro lugar".

Considerado um marco divisório na história da música, foi durante os festivais da canção que se cunhou o termo “MPB”. Apesar de pequeno em termos numéricos, o público dos Festivais era um poderoso elemento agregador de credibilidade e formador de opinião. No público dos Festivais, misturavam-se diversos elementos: fãs histéricas, universitários politizados e entusiastas da música, além de apontar uma mudança radical com a decadência da estética do banquinho e o violão e a ascensão de interpretações para multidões, vigorosas, furiosas e emocionadas.


Outra importante mudança estética ocorrida durante este período: os arranjos, letras, harmonias e melodias sofisticam-se, visando a competitividade. Surge o que Augusto de Campos chama de “deformação da mentalidade do compositor”, levando-o a compor música “para ganhar festival”, ou seja, as concessões à comercialização e à formula “festivalesca”.

Os festivais também coincidem com a popularização da TV. Muito mais abrangente que os antigos festivais de marchinhas de carnaval, existentes no Brasil desde os anos 30, a TV acolheu os festivais - particularmente os canais Excelsior e Record - e utilizou-os de forma inteligente. Isso pode de certa maneira explicar a mudança de atitude dos intérpretes, que deixavam de se dedicar exclusivamente à performance vocal, para se preocuparem com postura, roupas e coreografias.

Outro motivo do sucesso da Era dos Festivais pode estar no cenário sócio-político. A Partir de 1966, onde podemos demarcar o início de uma era de ouro dos festivais, o país vivia sob o governo de uma ditadura militar instaurada dois anos antes e que dava sinais de endurecimento. A censura dos meios de comunicação, como jornais rádio e TV, a proibição de atos públicos, como passeatas e comícios, a cassação de deputados, partidos e liberdades civis, sob o pretexto de uma assim chamada segurança nacional, diminuiu gradualmente o espaço para a manifestação de opiniões, reflexão política e participação popular. A esquerda tinha grandes planos para os festivais: A chegada desta música de televisão potencializaria sua popularização e a partir daí, além de platéias estudantis, os telespectadores de outras faixas sócio-culturais e etárias teriam acesso à ‘moderna MPB. De certa maneira, os Festivais da Canção acabaram por ocupar esse espaço na vida da população, transformando-se em um palco de debates de uma disputa feroz, onde tendências, idéias, atitudes e vaias poderiam ser expressas sem as amarras do regime ditatorial.

Com o fim da década de sessenta, a estrutura dos festivais dava claros sinais de desgaste. A tendência seriam festivais cada vez mais inexpressivos e com cada vez menos poder de mobilização popular. Além disso, o governo viria a intervir ainda mais no conteúdo das canções. O AI5 foi proclamado no fim deste ano de 1968 seguido de cassações, perseguições e desaparecimentos. Perseguido, Geraldo Vandré foge para o Chile, Chico se auto-exila na Itália, Caetano Veloso e Gilberto Gil são presos e vão para Londres, Tom Jobim vai para Nova York, onde já estava João Gilberto. Em poucos anos, o Brasil perde alguns dos maiores nomes de sua música.Não existe um fim inconteste para a Era dos Festivais, as opiniões de críticos e estudiosos divergem neste assunto. Para esse estudo, consideremos pertinentes os festivais até 1968, apesar do evento ainda conservar certa relevância até meados da década de setenta.

Tentativas de voltar ao espírito nostálgico dos festivais esporadicamente aparecem como “O Festival dos Festivais” e “Festival da Música Popular”, ambos apresentados pela TV Globo em 1985 e 2000 respectivamente, sem muito sucesso de público.

O pouco êxito de uma tentativa de retomada ao fenômeno dos Festivais da Canção se explica na medida em que a audiência militante dos festivais dos anos sessenta foi criada antes dos mesmos pelos musicais e shows estudantis, obras coletivas e notavelmente políticas como o Opinião, onde iniciativas localizadas se articularam e se nacionalizaram. Por isso, é inútil tentar repetir essa experiência tão rica simplesmente começando pelo fim, começando pela TV, como foi feito nas últimas edições do gênero. Em simples resumo: sem participação popular, não existe festival.

Quem quiser saber mais, alguns dos Festivais mais importantes realizados no Brasil durante esta época foram:

1º FESTIVAL NACIONAL DA MPB
TV Excelsior (abril, 1965).

1º – Arrastão, de Edu Lobo e Vinícius de Moraes, com Elis Regina.
2º – Valsa do Amor que Não Vem, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, com Elisete Cardoso.
3º – Eu só Queria Ser, de Vera Brasil e Miriam Ribeiro, com Claudete Soares.
4º – Queixa, de Sidney Miller, Zé Kéti e Paulo Tiago, com Ciro Monteiro.
5º – Rio do meu amor, de Billy Blanco, com Wilson Simonal.

2º FESTIVAL NACIONAL DA MPB
TV Excelsior (junho, 1966).

1º – Porta-estandarte, de Geraldo Vandré e Fernando Lona, com Tuca e Aírto Moreira.
2º – Inaê, de Vera Brasil e Maricene Costa, com Nilson.
3º – Chora Céu, de Adilson Godoy e Luiz Roberto, com Cláudia.
4º – Cidade Vazia, de Baden Powell e Lula Freire, com Milton Nascimento.
5º - Boa Palavra, de Caetano Veloso, com Maria Odete.

2º FESTIVAL DA MPB
TV Record (setembro-outubro, 1966)

1º – A banda, de Chico Buarque, com Chico Buarque e Nara Leão; Disparada, de Geraldo Vandré e Théo de Barros, com Jair Rodrigues e Quarteto Novo.
2º – De amor ou paz, de Adauto Santos e Luiz Carlos Paraná, com Elza Soares.
3º – Canção para Maria, de Paulinho da Viola e Capinan, com Jair Rodrigues.
4º – Canção de Não Cantar, de Sérgio Bittencourt, com MPB-4.
5° – Ensaio Geral, de Gilberto Gil, com Elis Regina.

3º FESTIVAL DA MPB
TV Record (outubro, 1967)

1º – Ponteio, de Edu Lobo e Capinan, com Edu Lobo e Marília Medalha, Quarteto Novo e Momento Quatro.
2º – Domingo no parque, de Gilberto Gil, com Gilberto Gil e Os Mutantes.
3º – Roda viva, de Chico Buarque, com Chico Buarque e MPB-4.
4º – Alegria, alegria, de Caetano Veloso, com Caetano Veloso e Beat Boys.
5º – Maria, carnaval e cinzas, de Luiz Carlos Paraná, com Roberto Carlos.

4° FESTIVAL DA MPB
TV Record (novembro-dezembro, 1968)

1º – São São Paulo, Meu Amor, de Tom Zé, com Tom Zé.
2° – Memórias de Marta Sare, de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri, com Edu Lobo e Marília Medalha.
3º – Divino maravilhoso, de Gilberto Gil e Caetano Veloso, com Gal Costa.
4° – Dois Mil e Um, de Rita Lee e Tom Zé.
5º – Dia da Graça, de Sérgio Ricardo, com Sérgio Ricardo e Modern Tropical Quintet.

BIENAL DO SAMBA
TV Record (maio, 1968)

1º – Lapinha, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, com Elis Regina.
2º – Bom tempo, de Chico Buarque, com Chico Buarque e MPB-4.
3º – Pressentimento, de Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho, com Elza Soares.

I FIC – FESTIVAL INTERNACIONAL DA CANÇÃO
TV Globo (outubro, 1966)

1º – Saveiros, de Dori Caymmi e Nelson Mota, com Nana Caymmi.
2º – O Cavaleiro, de Tuca e Geraldo Vandré, com Tuca.
3º – Dia das Rosas, de Luiz Bonfá e Maria Helena Toledo, com Maysa.

II FIC – FESTIVAL INTERNACIONAL DA CANÇÃO
TV Globo (setembro, 1967)

1º – Apareceu a Margarida, de Gutemberg Guarabira, com Gutemberg Guarabira e Grupo Manifesto.
2º – Travessia, de Milton Nascimento e Fernando Brant, com Milton Nascimento.
3º – Carolina, de Chico Buarque, com Cynara e Cybele.
4º – Fuga e Antifuga, de Edino Krieger e Vinícius de Moraes, com Conjunto 004 e As Meninas.
5º – São os do Norte que Vêm, de Capiba e Ariano Suassuna com Claudionor e Germano.

III FIC – FESTIVAL INTERNACIONAL DA CANÇÃO
TV Globo (setembro, 1968)

1º - Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque, com Quarteto em Cy.
2º – Prá não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, com Geraldo Vandré.
3º – Andança, de Edmundo Souto, Danilo Caymmi e Paulinho Tapajós, com Beth Carvalho e Golden Boys.
4º – Passacalha, de Edino Krieger, com Grupo 004.
5º – Dia da Vitória, de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, com Marcos Valle.

Todos os links são cortesia do portal cifra antiga.com

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