quinta-feira, 11 de junho de 2009

Música Rock -Desvio e Transgressão


"Mistura de ritmos e de gêneros musicais, de sons e tradições, a música corre mais depressa que os homens; ela conseguiu realizar a verdadeira revolução deste século" (...). Ela é, ao mesmo tempo, o espelho e o instrumento de uma transformação política e cultural sem igual na história." (Le Nouvel Observateur no. 1441, 18-24, junho de 1992, artigo de Elizabeth Schemla - La Révolution Musique, pag. 4).


O século XX talvez tenha sido o século que assistiu o nascer, o triunfo e o desmoronamento surpreendentemente rápido e imprevisto de tantas ideologias revolucionárias, do nazismo ao comunismo. Observemos uma fenômeno que se estendeu das modas à religião, do gosto ao comportamento social: o rock n’ roll, em seus pouco mais de sessenta anos de existência, provocou muita polêmica e reações histéricas contra e a favor. Transgrediu regras, rompeu a estabilidade e abriu caminho para uma revolução cultural.

O que se seguiu teve origem na colisão de dois setores tão diferentes na formação quando afinados em seus objetivos. Um nasceu do desejo adolescente de impor sua própria personalidade em um mundo que o subjugava e o subestimava, veio dos jovens determinados a subverter as pressões da sociedade pós-guerra, que contava que todos cumprissem sua função pré-determinada no american way of life: família, oportunidade e torta de maçã. Este grupo surge do anseio de liberdade, para criar sua própria história e trilhar seus próprios caminhos, da recusa em se curvar diante das regras e interpretar seu papel diante à audiência social. Como bem observa o pesquisador argentino Diego Fisherman, com as baixas de guerra, na Inglaterra e Estados Unidos, os adolescentes entravam cada vez mais cedo no mercado de trabalho, esse grupo logo se viu com poder aquisitivo e social, capaz de tomar suas próprias decisões de consumo, criando uma nicho que até então não era relevante: o adolescente de classe média com poder aquisitivo. O outro estrato veio de uma parcela que justamente não tinha acesso ao tal "sonho americano": hispânicos, negros, prostitutas, pequenos e grandes infratores, músicos - todos pertencendo a segmentos populares, dos excluídos, e da classe baixa.

O resultado foi a união do romantismo da jovem classe média idealista e o comportamento marginal dos excluídos pela sociedade. A música rock e a revolução cultural que a seguiu impôs uma nova "arte", uma nova moda. Ela quer a libertação de todas as leis, regulamentos e normas sociais. Ela se impõe à sociedade liberal, é libertária contra tudo o que é refinado e aristocrático, ela ostenta a preferência pelo que é rotulado como sujo, prosaico, baixo, vulgar ou grosseiro.

Conforme dito anteriormente, a explosão do rock'n'roll, em meados dos cinquenta, foi um fenômeno que se desenvolveu à margem dos esquemas que dominavam, na época - como dominam até hoje - o mundo do rádio, discos e show business. Foi obra de uma minoria desprezada, fomada por artistas até então obscuros e de prestígio escasso em face da estética musical vigente e por um público adolescente que ainda não entrava nas cogitações dos grandes donos do negócio musical. Disc-jockeys de algumas estações de rádio sem maior importância e pequenas companhias gravadoras criaram, então, uma despretensiosa infra-estrutura para a nova música - e a novidade surpreendente que ela revelou foi a existência de um novo público de adolescentes, apaixonado pela energia rude e primitiva desses artistas obscuros, um público que logo mostrou ser suficientemente volumoso e fiel para, afinal, captar a atenção das grandes companhias.

Por isso tudo, a música rock começou a ser relacionada com todo e qualquer comportamento desviante repudiado pela sociedade conservadora, como a violência, o homossexualismo, a promiscuidade, o uso abusivo de drogas. A despeito disso torna-se um fenômeno de comunicação de massa quando alcança a classe média. Neste momento é decisiva a participação dos mass media: o resultado foi um golpe violento na reacionária sociedade burguesa americana.

O ódio à autoridade e o amor a rebelião pregado nas canções de rock têm como primeiras vítimas os pais e os mestres dos jovens roqueiros. Em casa, eles se revoltam contra a autoridade do "velho" e da "velha". Na escola (prisão), subvertem toda a ordem, desacatando professores e diretores.

Como força de ação e reação, a reacionária sociedade branca reagiu violentamente contra essa conduta que desafiava as expectativas institucionalizadas da coletividade, acionando o que Cahen denomina jurisdição do desvio, ou seja, grupos de pais, polícia, igreja e setores mais consertadores da mídia para conter o avanço deste comportamento. O resultado foi medidas de controle sociais formais e informais como a censura, proibições, prisões, algumas excomunhões e muito escândalo, aproximando a conduta desviada da música rock de uma conduta delitiva.

Apesar de tudo esses novos paradigmas sociais foram progressivamente absorvidos pela sociedade e por fim, o establishment percebeu que o diabo não era assim tão feio e nada havia mais a fazer senão converte-lo. A conduta desviada começou a ser vista com aprovação. A música rock foi justamente a que melhor foi distribuída, em escala internacional, pelas grandes gravadoras norte-americanas. Em 1960, ela já inundava as lojas brasileiras de discos, por exemplo. A revolução cultural fora contida e tal rock'n'roll servia de novo veículo de difusão do american way of life entre os povos culturalmente colonizados.

O rock'n'roll que, ao explodir, desafiara o sonho americano de maneira anárquica e instintiva, passa a ser o seu defensor, o seu porta-voz, uma criação direta dos homens de negócios da classe média branca norte-americana. Com ele, revitalizaram-se todos os mitos de sua ideologia retrógrada e cruel.

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