quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Dois lados de uma lição de vida.

Acabo de ler um texto, muito legal como sempre, (procurem o blog dele nos favoritos) do Éden Wiedemann sobre direitas e esquerdas. Concordo com ele em diversos pontos. Acho que filhinhos de papai de esquerda são tão patéticos quanto filhinhos de papai de direita. Acho também que qualquer pessoa que se coloca, se fecha e se rotula como esquerda ou direita, como se fosse um time de futebol é um idiota. Mas não foi isso que motivou este texto. Acontece que, no fim, Éden coloca uma pequena história sobre uma filha de esquerda e um pai de direita, para ilustrar seu pensamento.

Como toda historia que se usa para ilustrar algo, esta é absolutamente tendenciosa e absurda, simplificando ao limite algo que é muito complexo, como um sistema humano e eficaz de distribuição de renda, ou melhor, distribuição de oportunidades. Segue:

“Uma certa universitária cursava o sexto semestre da Faculdade. Como é comum no meio universitário, ela estava convencida de que era de esquerda e estava a favor da distribuição da riqueza. Tinha vergonha de que o seu pai fosse empresário e consequentemente de direita, logo, contrário aos programas socialistas e seus projetos que davam benefícios aos que mais necessitavam e cobrava impostos mais altos para os que tinham mais dinheiro.

A maioria dos seus professores e alunos sempre defendia a tese de distribuição mais justa das riquezas do país. Por tudo isso, um dia, ela decidiu enfrentar o pai.

Falou com ele sobre o materialismo histórico e a dialética de Marx, procurando mostrar que ele estava errado ao defender um sistema tão injusto e perverso como a direita pregava. Seu pai ouviu pacientemente, como só um pai consegue fazer, todos os argumentos da filha e no meio da conversa perguntou:

- Como você vai na faculdade?
- Vou bem, respondeu ela. Minha média de notas é 9, estudo muito mas vale a pena. Meu futuro depende disso, eu sei! Não tenho vida social, durmo pouco, mas vou em frente.

O pai prosseguiu:

- E aquela sua amiga, Sônia, como vai?

E ela respondeu com muita segurança:

- Muito mal. A sua média é 3, ela passa os dias no shopping e namora o dia todo. Pouco estuda e algumas vezes nem sequer vai às aulas. Acho até que ela é meio burra. Com certeza, repetirá o semestre.

O pai, olhando nos olhos da filha, aconselhou:

- Que tal se você sugerisse aos professores ou ao coordenador do curso para que sejam transferidos 3 pontos da sua notas para a da Sônia. Com isso, vocês duas teriam a mesma média. Não seria um bom resultado para você, mas, convenhamos, seria uma boa e democrática distribuição de notas para permitir a futura aprovação de vocês duas.

Ela, indignada, retrucou:

- Porra nenhuma! Trabalhei muito para conseguir essas notas, enquanto a Sônia buscava o lado fácil da vida. Não acho justo que todo o trabalho que tive seja, simplesmente, dado a outra pessoa.

Seu pai, então, a abraçou, carinhosamente, dizendo:

- BEM-VINDA À DIREITA!!!”


Como exercício de retórica, reescrevi o texto trocando os lados dos dois personagens para mostrar para vocês como é fácil argumentar desta forma:

“Uma certa universitária cursava o sexto semestre da Faculdade. Como é comum no meio universitário, ela estava convencida de que era de direita e estava caminhando a passos largos para se formar, tentar um programa trainee e ser uma bem-sucedida executiva. Tinha vergonha de que o seu pai fosse sociólogo, fundador do PT, pesquisador de políticas públicas de distribuição de renda e conseqüentemente de esquerda, logo, contrário às políticas neoliberais e ao capitalismo selvagem, que não dava a oportunidade aos menos favorecidos e marginalizados pelo próprio sistema.

A maioria dos seus professores e alunos sempre defendia que o mais importante numa faculdade era a formação pessoal, técnica, pragmática e voltada ao sucesso no mercado de trabalho. Formação humana era para os fracos. Por tudo isso, um dia, ela decidiu enfrentar o pai.

Falou com ele sobre as novas teorias da economia, mercado de capitais e globalização, procurando mostrar que ele estava errado ao defender um sistema tão ultrapassado e ineficiente como a esquerda pregava. Seu pai ouviu pacientemente, como só um pai consegue fazer, todos os argumentos da filha e no meio da conversa perguntou:

- Como você vai na faculdade?
- Vou bem, respondeu ela. Minha média de notas é 9, estudo muito mas vale a pena. Meu futuro depende disso, eu sei! Não tenho vida social, durmo pouco, mas vou em frente.

O pai prosseguiu:

- E aquela sua amiga, Sônia, como vai?

E ela respondeu com muita tristeza:

- Muito mal. A sua média é 3, ela trabalha, mora longe, tem que pegar 2 ônibus, cuida da mãe doente e dos irmão menores. Mal tem tempo de pegar nos livros, coitada, falta muito e quando não falta está sempre com sono na faculdade.

O pai, olhando nos olhos da filha, aconselhou:

- Que tal se você sugerisse aos professores ou ao coordenador do curso para que vocês e seus colegas organizem um grupo de estudos para ajudar a Sônia a recuperar as aulas que ela perdeu, além de organizar um abaixo assinado na faculdade pedindo mais linhas de ônibus e um fundo para levantar dinheiro para o tratamento da mãe dela? Você não acha que isso ia ajudar a sua colega? Ia atrapalhar um pouco seu próprio tempo nos estudos, mas, convenhamos, seria uma boa idéia para permitir a futura aprovação de vocês duas.

Ela, tocada, respondeu:

- Puxa vida pai, às vezes a gente está tão preocupada com nós mesmos que deixamos de pensar em como os outros ainda precisam de nossa ajuda, carinho e atenção. Amanhã mesmo vou começar a trabalhar para viabilizar essas idéias!
Seu pai, então, a abraçou, carinhosamente, dizendo:

- BEM-VINDA À ESQUERDA!!!”

Viram como é fácil? Agora é só escolher a sua e fazer polêmica no orkut!

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4 comentários:

  1. Como sempre um texto bem legal, Pablo, mas, de verdade, você acredita mesmo nesse negócio de que apenas a equalização das oportunidades tornaria o mundo justo?

    Será que seria justo para aqueles que estão dispostos a trabalhar e se dedicar mais que os outros?

    Como disse no Passinho conheço gente que não teve oportunidade nenhuma na vida (nasceu pobre, não estudou e deu um duro danado para enriquecer) e acho que ela discorda disso.

    Fora que você colocou a sônia como a maior coitadinha do mundo e acho que isso está muito mais pra exceção que para exemplo!

    Mas o debate é bom!

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  2. Apesar de não ser minha linha de pesquisa, estudei um pouco de políticas públicas e tem muita idéia boa, viável surgindo por aí, ultrapassando essa dialética ultrapassada de direita e esquerda. Gestão pública e programas de inserção e capacitação sérios.

    Nada dessa coisa retórica de tirar um pedaço do seu salário pra dar para um vagabundo que não quer trabalhar, ou comunista acampado no seu quintal..

    Pra mim, o segundo texto é tão absurdo quanto o primeiro, a Sônia despirocada, fútil e irresponsável.

    Eu já dei aula em uma das faculdades mais baratas daquie vi muitos exemplos de gente que rala pra caralho, gente boa sem oportunidade que poderia render muito mais e gente vagabunda também. Essa paleta tem muitas e muitas cores.

    O mundo nunca vai ser 100% justo e perfeito, mas nada impede da gente ajudar um pouco. Como costumo dizer: "Somos humanos, mas porra, somos humanos!"

    Abraçãoe obrigado pelo RT

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  3. Teu texto parece papo de pastor evangélico. Uma história bonita, mas com uma conclusão que não encaixa. Pelo perfil da garota, ela obviamente diria:

    Eu não! Já pago uma grana em livros e trabalhos de faculdade. Se ela quiser meu material emprestado, eu empresto, mas se é para montar uma turma de reforço, a faculdade que pague alguém para ser monitor.

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  4. RESPONDENDO:

    Chegamos onde chegamos pensando assim, Heitor.

    E me fala, você realmente iria emprestar seus livros? Não ia ficar com medo de ser roubado pelos pobres? Ou de passarem pulgas para as páginas? Já pensou nisso?

    Como já disse repito: os dois textos são radicalizações retóricas. Não acho que nenhum deles sirva como exemplo.

    No mais, obrigado pela visita!

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