terça-feira, 24 de novembro de 2009

Renato Rocha, a ovelha negra da Legião.

Ontem discutia sobre a qualidade da música da Legião Urbana com o Marcel Dias do Byte que eu Gosto, hoje foi a vez do Navarro, meu colega na agência, me perguntar se eu gostava da banda. Não soube responder com certeza em nenhuma das duas ocasiões. Tem algo que me agrada na legião, mas tem algo que me irrita profundamente nos caras, principalmente do álbum Quatro Estações pra frente.

Foi quando encontrei essa entrevista arrasa quarteirão do ex-baixista da banda Renato Rocha, o Negrete, um dos únicos negros a ter uma posição de destaque em uma banda de rock no Brasil.

A entrevista foi publicada originalmente no Blog de Luiz Pimentel e me fez lembrar (e justificar) porque eu só gosto da Legião Urbana da época que o Renato Rocha tocava. Como eu não consegui achar um link direto para ela, então reproduzo na íntegra para vocês, com todo respeito ao Luiz. Segundo o próprio, a entrevista foi desenterrada (e editada, pois é mais longa) pelo Vivaldo Simão.

ZERO: Você era da turma dos Skinheads, não?
RENATO ROCHA: Quando o punk começou a acabar, sobrou muito gayzola, muito playboy que se dizia punk. Eram aqueles caras que compravam calças Fiorucci, desfiavam e falavam que eram punks. Aí resolvemos ser cabeça raspada. A gente era uma equipe do terror, pra diferenciar dos punkzinhos gays.

ZERO: Quem eram punkzinho gay?
R.R: Os lambe-lambes (risos)

ZERO: Que a gente conhece, quem era?
R.R: Os dois lá, o Dado e o Bonfá, o Dinho, Philipe Seabra [vocalista e guitarrista do Plebe Rude], essa turma.

ZERO: Por que lambe-lambes?
R.R: Porque não faziam nada. Chegavam nas festas e ficavam bodeados num canto. Gostavam de Bauhaus e PIL. Eram fracassados. Os carecas chegavam chutando o teto.

ZERO: Qual foi seu primeiro contato com o Renato e o resto da banda?
R.R: Ah, a gente andava numa turma, ia pras festas. Tinha uma época que tinha umas cinco festas por noite. Festas de detonar, de barão. Pó, maconha à vontade. E não aparecia ninguém pra encher o saco. O mais fraco ali tinha seis Rolls Royces na garagem. Quem ia ter coragem de entrar pra dar uma geral?

ZERO: Como você entrou para a Legião?
R.R: Renato tinha cortado os pulsos em Brasília, estava na pré-produção do primeiro disco. Como ele tocava baixo, precisava de alguém para o lugar dele. Eu sabia todas as músicas, as letras. Entrei quatro dias antes do início das gravações. Acabamos virando a maior banda do Brasil.
Mas quando ficou cheio de grana, o Renato não queria fazer mais nada.Ficou muito chato, alcoólatra. Aí ele começou a chutar todo mundo, tratava todo mundo muito mal.

ZERO: Quando foi isso?
R.R: Foi no final dos 80. Ele tava inacreditável, tomou varias overdoses.

ZERO: Ele já não gostava de fazer shows?
R.R: Depois de encher o cú de grana, só gostava de encher a cara.

ZERO: Vocês eram amigos?
R.R: Não. A gente era conhecido. Amigo, não. A partir do momento em que o cara só se preocupa com ele mesmo...só ele tem dor de cabeça, só ele tem exaqueca, só ele tem problemas...

ZERO: Qual era o seu papel na banda? Você era apaziguador ou só chegava e tocava?
R.R : Eu fumava meu baseado inocente, tomava minha dose de uísque e ficava pensando: "cara, eu estou fazendo a melhor coisa do mundo: ganhando grana pra fazer música, e neguinho fica aí se lamentando à toa, reclamando do bife".
Eu aproveitei minha fase rock. Os caras não tinham atitude roqueira, não falava com a galera, esnobavam os fãs. Pra mim ficar na Legião era um sacrificio.

ZERO: Por que você acha que eles se sustentaram como banda tanto tempo?
R.R: O Renato gostava de homem bonitinho e chamou o Marcelo Bonfá e o Dado pra tocar. O Dado só entrou porque o Renato queria o nome Villa-Lobos na banda. Aí ele ensinou o Dado a tocar. E o Bonfá era um pilha fraca, não aguentava tocar um show inteiro, não ensaiava, não treinava, não malhava, não comia, era um merda.
Saia coma namorada, não queria pagar a conta e a menina pagava. Queria fumar um baseado mas não apertava, eué que tinha que apertar. Folgado e mão-de-vaca. É um cara muito babaca, nem a mulher dele aguenta ele. Era uma agonia, pois o cara não sabia tocar nada.

ZERO: E como foi sua vida depois da banda?
R.R: Eu tive uma fase ruim, fiquei em baixa. Namorei uma mulher errada e minha vida degringolou. Era uma mulher que só queria sacanear. Tipo Cleopatra. Fiquei muito alcoólatra, muito louco, tomava tudo.

ZERO: Mas o Dado dizia que você já detonava antes de sair da banda.
R.R: O problema do Dado é que ele não sabe nem escolher a roupa que vai vestir. A mulher dele é quem escolhe. Ele não sabe tocar, não tem personalidade própria. Ele é tão bundão que podia ter impedido minha saída. A gente ia para o mundo inteiro. Iamos pra Europa, ele bundou pra mulher dele. A mulher queria ter um filho e prendeu ele aqui. Ele botou pilha pra gente não gravar fora.

ZERO: Foi depois do terceiro disco?
R.R: Foi. A gente ia gravar em Portugal.Estava tudo certo. A Legião ia arrebentar e ele bundou. Ficou com medo da Fernanda. A mulher amarrava um lacinho no pescoço dele e ele saia na rua assim. Não representa nada para o rock brasileiro. Representa o gosto do Renato. E aí? Vai dizer que uma bicha daquelas era roqueiro? Em vez de comprar uma moto comprava uma lambreta. E ainda andava de lencinho. Como um cara desses pode dizer que é punk?
Eu saia, ia nas favelas, cheirava pó, ficava nas quebradas, pegava as putas. Ai o cara dizia que eu estava aloprando. Ele é que não aguentava a pressão. Eu pegava as gatas e passava na frente dele, o cara ficava com aquela carinha de bunda.

ZERO: Desde sempre eles tiveram essa atitude na banda?
R.R: Eu fiquei puto porque era um bando de cuzão com uma oportunidade de ouro nas mãos. Todo mundo falando bem pra caralho. Minha maior frustração é isso cara. Um cara do gabarito do Dvid Byrne falando das possibilidades de sermos o maior sucesso do mundo e dois playboyzinhos babacas sacaneando.

ZERO: Foi o David Byrne que ofereceu a oportunidade de vocês gravarem lá fora?
R.R: Não, foi a gente que conseguiu. Éramos a melhor banda de rock n' roll do Brasil. Éramos.

ZERO: E você achava isso na época?
R.R: Eu achava uma das melhores do mundo. O Renato sabia cantar todas aquelas letras maravilhosas em inglês. O disco ia arrebentar. A gente ia ser o U2 e o Dado não deixou. Ou melhor, a mulher do Dado.

(...) ZERO: Ele (R.Russo) tinha uma atitude homosexual dentro da banda?
R.R: Tinha. Sempre teve. Pirava, ia lá e dava para o roadie Mas é aquela história. Se o cara tem muito poder, ninguém fala a verdade.

ZERO: A legião perdeu a atitude rock com a sua saída?
R.R: Cara, rock exige uma certa agressividade. Rock não é para playboyzinho pasmo, tchutchuquinha. Dado tomava um copo de uisque e ficava bêbado. A Cracatoa Vermelha nem bebe.

ZERO: Quem é a Cracatoa Vermelha?
R.R: Bonfá(risos)

ZERO: Quando foi a última vez que você falou com ele?
R.R:´Foi na gravação de Uma outra estação. Ele virou pra mim e disse: "eu estou igual a você". Pensei: "puta merda, fudeu" (risos)

ZERO: E o Dado?
R.R: Foi uma vez no ATL HAll. ELE pegou meu braço e disse: " Não fala mal de mim na imprensa não". Eu fiquei só rindo, porque o filho dele tava todo preocupado, com medo de eu dar porrada nele. O moleque ficava falando "pai, vamos embora"

ZERO: Você ainda voltou pra gravar esse disco póstumo (R. Rocha participou da faixa da gravação instrumental da faixa Riding Song, que foi sobre posta a uma gravação dos 4 integrantes feitas durante as gravações do disco Dois).
R.R: Gravei cara. Infelizmente eu grave. Ganhei um barão [R$ 1000]. Aquele cara me ridicularizou. Mas eu estava precisando de grana.

ZERO: Você gastou toda a grana que ganhou na Legião?
R.R: Não, eu comprei carro, moto. Depois vendi tudo. E eu não ganhei tanta grana assim.

ZERO: Você foi ao enterro do Renato?
R.R: Não fui porque não sou cretino. Mas um dia passei com a minha namorada e a mãe do Renato estava no Burle Marx pra jogar as cinzas. Aí o pneu da moto furou bem na frente. Eu falei: "caralho, Manfredo, solta do meu pé". Mas eu sempre gostei do Manfredo, ele sempre foi uma pessoa muito sincera, só que ele se fodeu, cara, porque ficou com dois babacas.

(...) ZERO: Quando você falou com Renato Russo pela última vez?
R.R: Falei pelo interfone. Ele não quís me atender. Toquei na casa dele e ele respondeu que tava de ressaca.

ZERO: O que você queria com ele?
R.R: Ah, sei lá. Perguntar como ele tava. Ele alucinava, tomava todas e subia na mesa,(...)Cansei de levar ele doidaço, babando no taxi. Mas aí como ele era mentor da banda e da juventude brasileira, mascaravam esse comportamento. (...)

ZERO: Como foi que você saiu da banda?
R.R: O Renato Russo saiu do elevador e falou: "Você está fora da minha banda". A gente ia assinar o contrato do Quatro Estações. Estavamos no prédio da EMI.Ai eu falei pra ele: "Cara, se você me apontar o dedo eu torço seu braço". Fiquei na minha, puto, mas sabia que não era uma coisa do Renato. que era coisa dos dois perobinhas. O maior castigo é ter grana e não ser feliz. Eu tenho e sou feliz.

....

ZERO: E sua banda Cartilagem, existe a quanto tempo?
R.R: Uns três anos. MAs ainda não chegou a hora da banda. O público ainda não está preparado pras minhas letras. Minha música é pra libertar o jovem.

ZERO: Parou com as drogas?
R.R: Fumo meu baseado, tomo umas bebidas.

ZERO: E a legião ainda dá grana?
R.R: Não, dá uma miséria. Menos de mil reais por mês. Só que conversar com eles é tentar tirar leite de pedra. Eles são brancos, eu sou pele-vermelha.

ZERO: Já pensou em se candidatar a algum cargo público?
Opa, já. Prefeito de Mendes. O grande lance é entrar no esquema e não ser corrompido´por ele. Como eu entrei na Legião e não fui corrompido[]

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2 comentários:

  1. Bom, pra começar, descontando-se o fato de o Rocha possivelmente estar drogado quando deu esta entrevista, e por demonstrar estar muito, muito, muito puto por ter sido chutado de uma das maiores bandas da história, ainda assim, são depoimentos preciosos. E vou defender o direito dele dizer o que pensa, já que estamos numa democracia. Mas vamos falar a verdade: suas próprias palavras são muitas vezes incoerentes, controversas... Por exemplo, ele diz que a LU era a maior banda do Brasil, daí a pouco diz que eram todos uns merdas. Como pode ser tudo um lixo e ao mesmo tempo ser a maior banda do mundo? Nunca foi novidade pra ninguém, que tivesse acompanhado a carreira da banda, que eram todos drogados (assim como The Beatles – de fato a maior banda do mundo)... nunca foi novidade que o Russo era gay, e que Dado e Bonfá não sabiam tocar... Todos têm seus defeitos, inclusive o próprio Rocha, que aqui deixa claro que foi à bancarrota: torrou toda a grana dos áureos tempos com drogas, prostitutas e motocicletas. Mas não se pode misturar o artista com a pessoa comum. Eu, pelo menos, sempre faço esta distinção.

    Russo foi um gênio da música. Escreveu letras de altíssimo conteúdo e estética, algumas até indecifráveis para o grande público (misticamente falando); muitas vezes baseado nos "3 acordes", um lugar comum no universo punk, desenhou melodias da estatura de grandes "melody makers", como Paul McCartney e Caetano Veloso; Dado e Bonfá, apesar de terem um péssimo desempenho tocando ao vivo, eram ótimos músicos de estúdio! Ninguém, por mais embuído de um desejo de vingança que esteja, poderá negar isso! Imagina? Chega a ser engraçado ler que o Dado “não representa nada para o rock brasileiro”...

    Também incoerente é quando Rocha se vale do discurso do preconceito: "Eles são brancos, eu sou pele-vermelha"... mas e quando o próprio Rocha usa do preconceito para atacar os outros? O texto está recheado de "punkzinhos gays", “lambe-lambes”, "bundão", isso e aquilo. Quer dizer que ele podia subir a favela pra comprar droga, "tocar o terror” nas “rockonhas”, pegar quantas putas quizesse, sair xingando todo mundo, e ainda se vangloriar dizendo que isso é “atitude rock and roll”??? E se Bonfá o xingasse de “macaco preto”, como ele se refere ao Bonfá como “cracatoa vermelha”? Aí é “preconceito”!!!

    Rocha critica Russo por "dar pro roadie da banda", "ser drogado", "pisar nas pessoas", ficar preguiçoso depois de "encher o cú de dinheiro", e blá, blá, blá... e, alguns minutos depois, diz que só gravou no álbum póstumo a faixa “Riding Song” por dinheiro (será que precisava "se queimar" por mil Reais?!?!). Como diria minha avó, é o sujo falando do mal lavado (risos). Convenhamos, fica claro nesta entrevista (se é que ela é legítima) que todo mundo tem um lado que gostaria de esconder, assim como eu e você. Se pessoas comuns não são “santos”, por que os Popstars necessariamente deveriam ser?

    Mesmo assim, com todas as suas falhas de caráter, suas vaidades, seus vícios e tudo o mais, a Legião Urbana (especialmente o conturbado-gênio-sensível Renato Russo), sempre estará no meu coração e mente. Inclusive aquele seu contrabaixista dos 3 primeiros LPs, com ótimas linhas de baixo! Aquele "drogado", "skinhead", "inconsequente", "aloprado", "pegador de putas", "homofóbico", "gastador compulsivo", e tantos outros adjetivos que se costuma dar aos seres humanos comuns. Sua obra, para mim e milhares de fãs, sempre está acima do bem e do mal.

    URBANA LEGIO OMNIA VINCIT

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  2. Não sei o porquê, mas essa entrevista me parece bastante verossímil.
    Apesar do clima de insuportabilidade no Legião, acho que o Rocha devia ter insistido na convivência com os outros "elementos", sua saída foi ruim para todos. Ruim para Legião que viu seu som enfraquecer, ruim para o Billy que entrou num ostracismo descenessário, visto que era bastante talentoso. Às vezes é como o trabalho do dia-a-dia, tem sempre um pessoal pavoroso de se conviver, mas é assim que as coisas são: tolerância acima de tudo.
    Os baixistas que apareceram nos discos pós-negrete são medonhos, no "V", então, nem se fala! É igual ao baixo do ...and Justice for All do Metallica!!
    Não sei se foi algo que tomei, mas ainda espero um dia ouvir "As 4 Estações" com o lendário baixo do Renato Rocha.
    Sonhos...

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