quinta-feira, 28 de maio de 2009

Álbuns Clássicos (#6)

Os Incíveis - Discografia (1963-1979) - segunda parte -

(Este mês esse texto meu foi publicado pela International Magazine do Marcelo Fróes. Pra quem não teve a oportunidade de comprar, reproduzo aqui o texto em duas partes)


1969 é o ano da explosão do tropicalismo. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé e outros artistas tomam a MPB de assalto com roupas multicoloridas, arranjos irreverentes e temas nacionais, flertando com o cafona, o provinciano e o brega em contraponto a um desejo de se modernizar e de se abrir ao mundo. Um filho hibrido da batalha entre as correntes reacionárias da MPB e a garotada do Iê,iê,iê.

Lançado um álbum simplesmente chamado de “Os Incríveis” (que tem uma capa que lembra “Village Green Preservation Society” dos Kinks.) a banda dá sinais de uma reverência ao Tropicalismo. Esta influência pode ser verificada na primeira faixa, a inspirada “Vendedor de Bananas” (um sambalanço de Jorge Ben) mais uma guinada no som do grupo e mais uma tentativa de se manter na vanguarda do que estava fazendo sucesso no Brasil. Soam modernas também “Que coisa Linda” com ataques de metal estilo Beatles, “Vendi os Bois, um “baioque” bem no estilo da época. Neste álbum ainda se destaca a canção “Jurema” de autoria de nada mais nada menos que Tim Maia, que só iria explodir para o sucesso no ano seguinte cantando a mesma canção em inglês.
Apesar de boas gravações, existem no disco baladas ao estilo Iê,iê,iê, que soam deslocadas, ultrapassadas e fora de contexto, lembrando uma época não muito distante, mas a esta altura, completamente destoante dos rumos que a música brasileira estava tomando.
Chega a década de setenta. O regime militar aperta mais e mais a produção musical e a censura afia suas garras. Há um esvaziamento (forçado) do Tropicalismo e a música brasileira perde seus melhores e mais inventivos interpretes e compositores, que ou se mudam ou são mudados para o exterior. O rock nacional fica totalmente sem referencial e completamente subserviente às influências do Hard Rock e do Progressivismo, palavras de ordem na Inglaterra e Estados Unidos.

Em 1970 os Incríveis lançam mais um álbum homônimo em que, como sugere a capa, seria um raio-X da banda. Um ataque da guitarra na primeira faixa “Adeus, amigo vagabundo” (Emprestando o riff de “Foxy Lady” numa homenagem a Jimmi Hendrix, falecido neste mesmo ano) abre o LP. Há ainda uma curiosa tentativa de flertar com o Soul nacional de Tim Maia, o mesmo que emprestara uma canção à banda no ano anterior.
Nesta época estavam em evidência as músicas ufanistas e patrióticas, que falavam de um Brasil do futuro, vitorioso e feliz, bem no ritmo do “milagre econômico” da ditadura no meio delas existia “Eu te amo meu Brasil”, escrita pela dupla Dom & Ravel. Os incríveis pegaram essa bomba-relógio quente pra gravar. A gravação gerou uma polêmica devastadora para o grupo. Qualquer manifestação de apoio à ditadura era considerada pela classe artística e crítica musical como uma ofensa imperdoável. Resultado: a versão dos Incríveis jogou o nome da banda no paredão do patrulhamento ideológico.

O tema é realmente controverso, mas uma audição atenta revela um tom de ironia, (tanto no ritmo de fanfarra quanto na debochada “lalálá” dos backing vocals ou nos gritos no fundo do estúdio) que talvez não tenha sido bem compreendido. A gravação, talvez até involuntariamente, soa como uma irreverente e ácida crítica ao oba-oba do “Milagre Brasileiro”. Mas parece que a época não era de brincadeira.Outra marca da década de setenta foram as explosão dos discos conceituais. No Brasil era uma época de escapismo do estrangulamento da censura e da ditadura.

Parece que foi esta a intenção de “1910”, o álbum seguinte. O conceito propunha uma volta à década de 10, fugindo de todas as inconsistências dos anos 70. Para uma banda que aquela altura estava sendo pressionada tanto pela esquerda quanto pela direita, nada mais lógico. A faixa inicial “1910” (um soul/rock/balada) é consagradora. A letra, ritmo, melodia, tudo é muito criativo, divertido e refrescante. As músicas “Sem Vergonheira”, “Na Baixa do Sapateiro” apresentam uma banda madura, e divertida.
capa segue o conceito, com os membros da banda vestidos em ternos clássicos numa foto de época. Justamente o disco que apresentava o trabalho mais original dos Incríveis, “1910” sofreu com o desprestígio da banda depois de toda a polêmica. O rótulo de vendidos e de colaboradores do regime militar era pesado demais. Além disso, as divergências criativas se acentuavam. Os músicos então resolveram então encerrar as atividades e alguns dos integrantes formaram outros conjuntos importantes para o desenvolvimento do rock nacional como Casa das Máquinas e O Som nosso de Cada Dia.
Em 1973, Mingo, Nenê e Risonho se juntaram para gravar mais um discos, “Mingo, Nenê e Risonho – Os Incríveis”, um álbum um pouco deslocado, com um ar melancólico de fim de festa. Sem foco, o álbum traz um cover de Dolores Duran e Tom Jobim e até uma música inspirado em entidades da umbanda. Destaque apenas para “Estou a Perigo” que tem verso “money que é good nóis não have”, imortalizada depois pelos Mamonas Assassinas.
Nessa época gravam também um raríssimo compacto com o Hino Nacional Brasileiro e o Hino da Independência (um brinde do sabão em pó Rinso), assumindo de vez o estigma de colaboradores da ditadura.
Já em 1975 lançaram “Isso é felicidade”, um equívoco do início ao fim. A balada “Você vai ser mamãe” é uma epopéia do brega, entrando pra história como uma das piores canções escritas em língua portuguesa em todos os tempos. A faixa-título fez relativo sucesso nas rádios e só.
Descendo sem freios a ladeira da decadência, lançaram “Os Sucessos das Paradas” (1979), onde a banda tira até uma casquinha da Disco Music regravando, entre outras pérolas, “YMCA” do Village People. Quem pensava que a banda já estava no fundo do poço descobriu que o fundo do poço tinha porão. Os Incríveis ainda se reuniria em 1980 para gravar e realizar shows, mas já em tom de nostalgia, apenas pra fazer uns trocados e reformar o apartamento.
Em suma, Os Incríveis cruzaram audaciosamente os conturbados anos 60 e 70 navegando no turbulento mar de influências e tendências que se chocavam naqueles anos loucos. Apesar de nunca terem sido exatamente “vanguarda”. Sua contribuição não só para o rock quanto para a música brasileira é inestimável e infelizmente subestimada, como muito e muitos grandes artistas de nosso país.

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