segunda-feira, 6 de abril de 2009

Albuns Clássicos (#5)

London Calling - The Clash (1979)



Para escolher um álbum punk para entrar na nossa lista de melhores, a escolha óbvia seria "Never Mind the Bullocks, here`s the Sex Pistols" de 1977. Os Sex Pistols foram o grupo mais importante do punk rock e merecem que seu único disco entre na nossa lista. Mas não hoje. Os fãs dos Pistols que me perdôem, a escolha de hoje é "London Calling" de 1979, obra prima do The Clash.

Durante o período da explosão punk (1977-1979), bandas e artistas seguiram por caminhos parecidos, divergindo do modelo dos Pistols em certas partes para produzir suas próprias parábolas punks. O Clash funcionou como um alter ego dos Pistols. Inspirado neles, o grupo também era pessoalmente irresponsável e agressivo, porém, artisticamente mais imaginativo, politicamente mais perspicaz e musicalmente mais criativo. Surgiram duas diferenças básicas entre esses dois maiores expoentes do punk. Enquanto os Pistols se restringiram a uma estrutura musical limitada, o Clash assimilou, conscientemente, influências de estilos externos e expandiu rapidamente suas fronteiras musicais, conseguiu um sucesso mais duradouro, lutou, ganhou batalhas contra a indústria musical e sobreviveu após o punk.

O Clash começou em julho de 1976 depois que Joe Strummer viu os Pistols e convenceu os ex-integrantes do London 88, Mick Jones (guitarra) e Paul Simonon (baixo) a formar uma nova banda. O baterista Terry Chimes (mais tarde substituído por Topper Headon) completou o grupo. No dia 13 de agosto, eles fizeram a primeira aparição pública oficial e 16 dias depois, o primeiro show. Havia algo em relação ao Clash, pelo menos em disco, que transcendia a linha traçada pelos Pistols. Sem abandonar a simplicidade e a agressividade do punk, o Clash exibia maior conhecimento musical. Sua formação de duas guitarras dava mais textura às canções, Simonon abandonou o bordão tônico na oitava nota para obter partes de baixo mais sincopadas, fortes e melódicas, e Chimes usava mais pratos para colorir seu som de bateria.

No dia 30 de abril de 1977 o primeiro disco "The Clash" foi lançado e chegou ao número 12 da parada inglesa. Em 08 de outubro, o single "Complete Control". Os shows continuaram, e em alguns deles, ocorreram conflitos. No dia 04 de março de 1978 saiu o single "Clash City Rockers" e o primeiro disco, que continuava ainda inédito nos EUA, atingiu a casa de 100 mil cópias importadas. No dia 25 de novembro saiu o segundo disco, "Give ‘Em Enough Rope", e atingiu o número 2 das paradas. Lançaram o EP "The Cost Of Living" (quatro músicas), com “I Fought lhe Law”, de Bobby Fuller. A banda lançou seu terceiro álbum em Dezembro de 1979 no Reino Unido. Ele continha uma maior liberdade musical e temática que os trabalhos anteriores. À medida que o público punk ia diminuindo, o Clash ia se expandindo, ultrapassando as fronteiras que limitavam o estilo.

O álbum em questão, "London Calling", foi lançado em vinil como um álbum duplo que custava o mesmo que um disco simples (os músicos abriram mão de parte de seus direitos autorais). Entretanto, mais importante que a postura era a música contida no disco que entrou para a história como um dos melhores de todos os tempos. A obra soa excelente da primeira à última de suas 18 faixas, sem gorduras, excessos ou faltas. A capa, paródia do disco de estréia de Elvis Presley, exibe uma foto de Simonon prestes a estilhaçar o seu Fender Precision sobre o palco.

O Clash também tinha um interesse no reggae, o gênero importado da Jamaica com boa acolhida pela classe trabalhadora do oeste da Inglaterra. Os rastafáris do reggae eram vistos como uma comunidade alienada e oprimida que obtivera êxito ao canalizar seu ódio em uma música que combinava elementos pessoais com políticos. Eles eram a essência viva do não-comprometimento - atormentados pela polícia, obrigados a viver em condições insustentáveis, e ainda assim marcadamente orgulhosos e visíveis em seus dreadlocks (cabelos trançados longos) e roupas de camuflagem. Algumas bandas punks admiravam o reggae à distância, adotando uma postura simbólica ou mesmo elementos musicais; outras, como o Clash, foram mais além e se envolveram ativamente na política racial da Inglaterra.

Através de suas letras e do ativismo político, a banda escolheu apresentar sua crítica ao imperialismo, ao racismo e a um sistema econômico abusivo em termos pessoais e políticos concretos, em oposição ao ódio inconsciente e não direcionado refletido nas situações e histórias chocantes dos Pistols. Os Pistols se contentavam em atacar e expor; o Clash quis exercer algum impacto em seu público.

A banda chegou ao quarto disco com a fama de ser a banda mais ética do rock, botando sua música, seus ideais e seu público acima do estrelato e suas conseqüentes recompensas financeiras.

“London Calling”, a marcial faixa de abertura, convoca os “garotos e garotas a sairem do armário” e cairem na luta. E sentenciava, em imagens apocalípticas “A era glacial está chegando! O sol se aproximando/ As máquinas param de funcionar, o trigo cresce parco! Um erro nuclear, mas eu não temo! Porque Londres afunda, mas eu vivo à beira do rio”. “Hateful” usa a batida sincopada de Bo Diddley para pintar uma imagem nada lisonjeira de um traficante: “Tudo que eu quero, ele me dá!...! Mas não de graça! E é odiável! E eu agradeço por estar em lugar nenhum”.

“Rudie can’t fail” parte do ska para retomar a falta de perspectiva: “Agora controle o seu temperamento! E arrume um emprego num jornal”. A maioria das canções ensaia um comentário social e político, inclusive a especialmente pungente "Spanish Bombs"(sobre a guerra civil da Espanha e conflitos da época); "Guns of Brixton" (que pergunta, “Quando a polícia entrar arrombando a porta, você morrerá com as mãos na sua cabeça ou com uma arma na mão?”) e o potencial inferno nuclear e o holocausto da Era Glacial descrito na faixa-título.

“Lost in the supermarket” ridiculariza os consumidores profissionais: “Estou totalmente antenado/ Vejo todos os programas! Coleciono cupões de pacotes de chá/ Eu tenho meu disco de superhits de disco music/ Eu esvazio uma garrafa e me sinto um pouco mais livre’. Usando o refrigerante como metáfora, “Koka KoIa” fala das relações da cocaina com os ricos e poderosos: “É a pausa que refresca nos corredores do poder! Quando os grandes homens precisam de um alto momento antes da happy hour”.

Mas a faixa-síntese do disco, o hino à liberdade roqueira é “Death or glory”. Riffs arrebatadores, baixo chorado e viradas empolgantes de bateria encadernam os incríveis ver- sos: “E qualquer idiota rebolativo tentando fortuna no rock’n’roll/ Pega no microfone e diz que morre antes de se vender! Mas eu acredito nisto e foi testado por pesquisas:! Aquele que come freiras mais tarde se junta à Igreja!...! De cada porão nojento, de toda rua suja! Ouço cada batida de palma de cada ritmo! É o ritmo do tempo, o ritmo que deve continuar/ Se você vem tentando há anos! Nós já ouvimos a sua canção”.

O disco ainda flerta com o swing (Jimmy Jazz), e com o rock clássico no estilo Chuck Berry (Brand New Cadiilac), rock influenciado pelo reggae (Guns ofBrixton e Revolution Rock), e até mesmo uma canção no estilo Springsteen (The Card Cheat, com teclados, sax e familiar letra metrificada). O semifunk “Train in vain”, a última faixa do disco (e a única a falar de amor), fez relativo sucesso nos Estados Unidos. Sintomaticamente, não aparece na lista de canções da contracapa ou do encarte

Uma informação curiosa é que London Calling foi escolhido em 1989 como o álbum no 1 dos anos 80 pela revista Rolling Stone (Explicação: o álbum foi lançado apenas em janeiro de 80 nos EUA),

A banda retornou para os Estados Unidos mais tarde em 1980, onde eles gravaram, no Electric Ladyland Studio, o álbum triplo "Sandinista" (batizado assim para celebrar o recente sucesso da revolução esquerdista na Nicarágua). Embora dois álbuns anteriores tenham entrado nas top-40, o de 1982, "Combat Rock"e o single "Rock the Casbah", jogaram o Clash no mainstream americano.

Alguns anos depois, entretanto, tensões provenientes do sucesso e acusações de que teriam se vendido se provaram uma carga pesada demais e o grupo se desfez. Strummer fez sucesso com carreira solo depois que o Clash se separou em 1989, fazendo aparições como ator e escrevendo músicas para filmes. Ele morreu no Natal de 2002 aos 50 anos vítima de um ataque cardíaco. Quem assistiu ao Grammy 2003 foi brindado com um tributo espetacular com Elvis Costello, Bruce Springsteen, Dave Growl (Foo Fighters) interpretando London Calling.

Se depois de ouvir este álbum (disponível em CD simples), o ouvinte não tiver se convertido ao rock, nada o fará. Nas mãos do Clash, as palavras-de-ordem soam convincentes. London Calling, um disco que resistiu ao tempo, mostrou que, apesar de o Clash ser politicamente radical, musicalmente o grupo estava disposto a experimentar com diversos timbres, instrumentos, ritmos e técnicas de estúdio. O perigo era perder a coesão, embarcando num rock do marxista doido. Mas aí entrou o talento.

Video: London Calling

Tracklist:
1. London Calling
2. Brand New Cadillac
3. Jimmy Jazz
4. Hateful
5. Rudie Can't Fail
6. Spanish Bombs
7. Right Profile
8. Lost in the Supermarket
9. Clampdown
10. Guns of Brixton
11. Wrong 'Em Boyo
12. Death or Glory
13. Koka Kola
14. Card Cheat
15. Lover's Rock
16. Four Horsemen
17. I'm Not Down
18. Revolution Rock
19. Train in Vain (Stand by Me)

The Clash
Joe Strummer - Guitarra Vocais
Mick Jones - Guitarra
Paul Simonon - Baixo
Topper Headon - Bateria

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